Imagine que você está no comando de uma grande área de compras / procurement recorrente: todas as semanas chegam requisições de compras, ordens de compra, contratos de fornecimento precisam ser revisados, cadastros de fornecedores atualizados, análises de gastos desenhadas. 

Você sabe que cada fornecedor carrega não só um custo, mas também um portfólio de riscos que vão de atrasos na entrega, qualidade frágil, vulnerabilidades de compliance, até irregularidades fiscais que podem bloquear emissão de nota ou impactar continuidade de fornecimento. 

Em tempos de pandemia e disrupções globais, percebemos que a falha de um fornecedor crítico pode paralisar cadeias de valor inteiras; isso reforça a necessidade de classificarmos corretamente estes fornecedores dentro de um modelo como o Kraljic. 

Nesse cenário, a Matriz Kraljic, originalmente criada para segmentar categorias de compra segundo impacto e risco de abastecimento, se torna um mapa de risco valiosíssimo. Ela permite que a área de compras (procurement), integrada com compliance, governança, auditoria em procurement e análise de fornecedores, separe com clareza os seguintes pontos: 

• Quais fornecedores exigem atenção máxima, 
• Quais podem passar por processos mais simplificados,
• Quais demandam plano de contingência,
• Quais podem ser gerenciados via automação. 

Sem essa segmentação, você cai no erro de tratar todos os fornecedores como se fossem iguais e isso, em tempos de cadeias globais mais frágeis, pode custar caro.

Vamos então mergulhar no porquê essa matriz é essencial, como ela dialoga diretamente com procurement e como você pode implementá-la de forma prática.

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A origem da Matriz Kraljic e seu lugar em procurement moderno

A Matriz Kraljic foi proposta por Peter Kraljic em 1983, no artigo “Purchasing Must Become Supply Management”, na Harvard Business Review. 

A ideia central: muitas organizações tratavam a função de compras como operacional, reativa e baseada unicamente em preço; Kraljic argumentou que, nesse ambiente de mercados mais voláteis, escassez de recursos, regimes regulatórios mais complexos, era preciso que compras virassem parte da estratégia de abastecimento (supply management).

No modelo original, dois eixos determinam a segmentação:

• Impacto no lucro ou no valor/volume da compra (ou seja: se der errado, o quanto isso afeta a empresa)
  
• Risco de abastecimento ou de mercado (ou seja: quão difícil / vulnerável é obter ou substituir aquele bem ou serviço).
  
  

Com isso formam-se quatro quadrantes:

1. Não-críticos (baixo impacto × baixo risco)
   
2. Alavanca / leverage (alto impacto × baixo risco)
   
3. Gargalo / bottleneck (baixo impacto × alto risco)
   
4. Estratégicos (alto impacto × alto risco)
   
   

No universo de procurement moderno, que lida com sistemas e procurement, relatórios de compras, análise de gastos, ordens de compra, controle de compras e homologação de fornecedores, essa matriz serve como a base para decisões de onde alocar foco, tempo, auditoria, automação.

Como conectar na prática: da teoria à operacionalização

Vamos entender como em um processo de compras, com homologação de fornecedores e controle de fornecedores, você pode aplicar a Matriz Kraljic considerando tanto os riscos de cadeia como os riscos fiscais/compliance, para priorizar.

1. Mapeamento da carteira de fornecedores / categorias

Primeiramente, reúna toda a base de fornecedores ativos ou potenciais: cadastro de fornecedores, vendor list. Faça spend analysis (análise de gastos) para conhecer em qual escala cada fornecedor opera (valor gasto, número de ordens, criticidade operacional). Use sistemas de procurement, relatórios de compras, controle de compras para extrair esses dados.

2. Dados cadastrais e de regularidade atualizados 

Garanta que o cadastro de fornecedores está atualizado: evite duplicados, verifique dados cadastrais, confirme que existe inscrição estadual ativa, consistência societária, histórico de compliance, regularidade fiscal. A atualização destas informações é fundamental para que a classificação seja confiável.

3. Definição de métricas para os eixos

• Impacto (no lucro/operacional): gasto anual com fornecedor, criticidade do produto/serviço (parada = prejuízo), número de linhas de produto afetadas, volume de ordens.
  
• Risco: além de risco de abastecimento (mercado, número de fornecedores alternativos), inclua: risco fiscal (inscrição estadual válida, histórico de autuações), risco de compliance (fornecedor com histórico trabalhista ou ESG adverso), risco de reputação, risco de emissão de nota válida.
  

4. Segmentação segundo Matriz Kraljic

Classifique cada fornecedor ou categoria no quadrante respectivo:

• Se baixo impacto e baixo risco → quadrante “Rotina/Non-critical”
  
  
• Se alto impacto e baixo risco → “Leverage”
  
  
• Se baixo impacto e alto risco → “Bottleneck” (mas risco fiscal ou de compliance elevadíssimo)
  
  
• Se alto impacto e alto risco → “Estratégico”
  
  

5. Estratégias diferenciadas para cada quadrante

• Rotina/Non-critical: processo simplificado, automação, homologação leve, verificação básica de inscrição estadual e nota fiscal, política de compra padrão.
  
  
• Leverage: negociação de preço/prazo, contrato padronizado, porém com cláusulas de regularidade fiscal, auditoria periódica.
  
  
• Bottleneck: plano de contingência, segundo fornecedor alternativo, auditoria de compliance, homologação com validação de inscrição estadual ativa, monitoramento fiscal mais intenso.
  
  
• Estratégico: relacionamento próximo, contratos de longo prazo, integração entre sistemas de procurement e compliance, verificação aprofundada da regularidade fiscal (inscrição estadual, NF-e, SPED), due diligence de fornecedores, monitoramento contínuo (com sistemas ou consultorias).
  
  

6. Monitoramento e revisão periódica

A classificação não é estática: o mercado muda, um fornecedor pode perder inscrição estadual, pode surgir mudança regulatória ou tributações diferentes (por ex., a reforma tributária anunciada no Brasil). Portanto, a estrutura de governança em procurement deve prever revisões periódicas da categorização e das regras de compliance/fiscal dos fornecedores.

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Por que essa abordagem traz benefícios reais para compras, compliance e governança?

Maior visibilidade para a área de compras

Ao usar a Matriz Kraljic, o procurement deixa de operar apenas com “fluxograma do processo de compras”, “requisição de compras”, “ordem de compra” e passa a usar uma lógica estratégica. Isso eleva a governança em procurement e o alinhamento com compliance.

Priorizar recursos de auditoria, compliance e fiscal

Em vez de fazer uma auditoria de fornecedores de forma uniforme, você pode alocar recursos para os quadrantes de maior risco e impacto. Por exemplo, para fornecedores com alto gasto e alto risco fiscal (inscrição estadual instável), você prioriza verificação de inscrição estadual, NF-e, históricos, auditoria. Isso traz eficiência e controle.

Redução de risco de interrupção de fornecimento ou de sanções fiscais

Se um fornecedor essencial não tiver inscrição estadual válida ou estiver regularizando NF-e, ele pode ter a emissão bloqueada, o que impacta a sua operação e também pode gerar crédito fiscal perdido. Considerar esse risco dentro da Matriz faz com que você tenha um plano de contingência.

Integração entre dados de gastos, análise de fornecedores e compliance fiscal

A fase de “enriquecimento de dados cadastrais” e “saneamento de dados” garante que as informações que alimentam a matriz sejam confiáveis. Assim, a área de compras consegue usar relatórios de compras, spend analysis e vendor list com mais robustez. Isso fortalece o controle de compras e o ciclo completo: requisição → ordem de compra → contrato → emissão de nota.

Fortalecimento da governança corporativa, riscos e compliance (GRC)

Quando a empresa mostra que faz homologação de fornecedores, análise de riscos fiscais, segmentação via Matriz Kraljic, monitoramento fiscal (inscrição estadual, ICMS, NF-e) e políticas de compliance em compras, ela gera evidência para auditoria. Isso conecta procurement à visão de GRC (Governança, Riscos e Compliance) e ESG (já que fornecedores com irregularidades fiscais ou trabalhistas impactam reputação).

Desafios e melhores práticas de implementação

Reconhecer que a Matriz Kraljic é uma base, não uma solução completa

Como algumas análises apontam, embora a Matriz Kraljic continue relevante, ela possui limitações: sua natureza estática e foco em apenas dois eixos podem exigir complementos (como sustentabilidade, inovação ou compliance ESG). Então, ao implementá-la, você deve considerar adaptações que incluam fatores de compliance fiscal, solvência financeira, dados cadastrais, etc.

Garantir dados de qualidade para suportar a segmentação

Sem o enriquecimento de dados cadastrais, limpeza de base de dados, saneamento de dados, você corre risco de classificar fornecedores de forma equivocada, por exemplo, classificar como “baixo risco” quem deveria estar “alto risco”. A qualidade de dados é crítica.

Integrar procurement, compras, compliance e tributário

A área de compras (procurement) não pode operar isoladamente. Os fornecedores devem passar por homologação integrando área fiscal, compliance e supply chain. Processos como requisição de compras, ordens de compra, contratos de fornecimento devem incluir cláusulas de regularidade fiscal (inscrição estadual, NF-e) e mecanismos de monitoramento.

Revisão e adaptação contínua

Como o ambiente de mercado muda (por exemplo, reforma tributária no Brasil alterando ICMS), é importante revisar a segmentação, critérios de risco, cadastro de fornecedores, contratos e a matrícula fiscal dos fornecedores.

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Em resumo, a Matriz Kraljic é essencial para quem atua em procurement, compras, governança em procurement e compliance de fornecedores porque fornece um mapa claro de onde os esforços devem ser concentrados, identificando categorias/fornecedores de alto impacto e alto risco frente a baixo impacto/baixo risco.

Além disso, ela permite que a área de compras se integre com compliance, facilitando a homologação de fornecedores, qualificação, cadastro, vendor list e onboarding de fornecedores.

Ela também gera eficiência ao priorizar esforços, isso porque permite que se aloque auditoria, homologação rigorosa, monitoramento contínuo onde realmente importa e permite a aplicação de processos mais leves onde o risco é baixo.

Com isso, fortalece a governança corporativa, gestão de risco, compliance e ESG ao tornar visível e mensurável o universo de fornecedores e riscos associados.

Para a sua empresa ou para o cliente em que você atua, o desafio não é apenas conhecer a matriz, mas operacionalizá-la. Isso significa assegurar que seus sistemas de procurement, relatórios de compras, vendor list e cadastro de fornecedores estejam bem integrados.